Monday, May 7, 2007

The end...?

Éramos como dois parasitas alimentando-se um do outro. Duas naturezas iguais,cada uma obtendo aquilo que necessitava,seguindo caminho e voltando sempre para mais, mesmo que pouco já houvesse para dar. A necessidade era tanta que fazíamos das tripas coração para continuar a ter sangue para alimentar o outro. Mas nada disto era um gesto altruísta, era egoísmo puro, porque saciando a fome alheia, saciava-se a nossa. Havia algo de predatório, de primitivo,uma espécie de decadência desesperada que a cada visita parecia contaminar o apartamento com uma luz baça e castanha. Era apenas a luz do sol filtrada pela cor das persianas, mas era o reflexo da nossa descida ao inferno da obsessão. Já nada parecia bonito, mas também já não importava, nem nos dávamos ao trabalho de fingir que sim. O encantamento tinha sido vencido pela necessidade.Há algo de humilhante e fascinante nesta viagem, como se ficássemos apaixonados pela nossa própria capacidade de sentir, de querer, de desejar. Como se tivéssemos um certo orgulho em descer tão baixo, porque nem toda a gente é capaz de o fazer, nem toda a gente tem tanta falta de amor próprio, tanta vontade de devorar um sentimento, independentemente da auto – destruição que o acompanha.Éramos duas crianças egoístas a tapar o sol com a peneira, julgando que podíamos bloquear as nossas consciências para sempre...Como se o esforço de o tentar fazer não nos desgastasse mais cedo ou mais tarde...Talvez fosse o mesmo que liga duas pessoas que estiveram perdidas numa ilha deserta, que sobreviveram juntas – é uma ligação forte e inquebrável, mas não necessariamente uma relação que possa existir fora da ilha. A nossa ilha era aquele apartamento e fora dali dificilmente poderíamos sobreviver. Existia ternura, mas uma ternura melancólica e desolada, sofrendo com um fim anunciado. Sabíamos que aquilo não era o ideal, que aquilo não era o que tínhamos pensado ser, que não era aquela a forma como tínhamos pensado amar. Ambos sabíamos que a nossa ligação nunca se iria quebrar, mas ao mesmo tempo tínhamos a certeza de que só estávamos ali até nos destruírmos ... Porque nenhum de nós tinha a coragem para praticar eutanásia...a morte tinha que ser natural, mesmo que fosse lenta e dolorosa... Para nos esgotarmos ao ponto de nos repelirmos. Um dia simplesmente chegámos ao apartamento tingido de castanho, sentámo-nos na beira da cama durante uma hora em absoluto silêncio até que se ouviu uma única palavra não pronunciada: “Acabou”... Afinal, sempre havia um limite para devorar um sentimento, havia um fundo do poço. Até mesmo nós tínhamos uma réstia de amor–próprio.



Era o final anunciado no princípio... mas se era anunciado porque é que dói tanto...?




Qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência.... os sentimentos são transversais aos factos

(C) imagens chishikilauren at
www.flickr.com


11 comments:

Anonymous said...

Sabes o que é olhar para uma tela, da qual se gosta muito, mas que é difícil de interpretar? Só quem a pintou tem a chave da sua verdade.
Mas cada um é livre de a ver com os seus olhos e de a ler à sua maneira.
É o que eu senti ao ler este texto, tão vivido, tão intenso, tão difícil...mas tão belo. E fiquei a pensar o que querias dizer com tudo isto; algumas das tuas palavras já as percebi em mim próprio, e portanto não me foi difícil dar um rumo ao texto; se é o certo, só tu o saberás, mas que te provoca dor estou certo, e que era necessário, ainda mais.
Um beijo.

Catwoman said...

Mais uma vez obrigada amigo Pinguim pelas palavras e presença sempre reconfortantes :)há coisas na vida que pensamos já ter ultrapassado, para as quais julgamos já ter desenvolvido anti-corpos e que fazem parte do passado. Mas derepente voltam...e nós deixamos que elas voltem mesmo sabendo que é para ter um fim...deixamos precisamente por saber que é para para fechar o círculo.Simplesmente sabemos, porque há caminhos que não se percorrem ao contrário...Mas apesar de tudo, quando morrem sofremos mais do que esperávamos...pq somos feitos de nervos,pele e sangue e pq tudo o que foi é tão parte de nós como tudo o que é.Pq apesar de tudo esperávamos que a morte fosse mais lenta, que tivessemos mais tempo para nos ajustar, para dizer adeus. Mas a vida nem sempre funciona assim...e tens razão, era necessário. Pq n conheço outra forma de lidar com a dor senão deixá-la viver, senti-la, até que estes momentos catárticos e o próprio tempo a façam desvanecer...

Um beijo enorme

Anonymous said...

Eu também me revejo neste texto. Eu pratiquei a eutanásia de que falas e depois veio "um certo orgulho em descer tão baixo, porque nem toda a gente é capaz de o fazer, nem toda a gente tem tanta falta de amor próprio, tanta vontade de devorar um sentimento, independentemente da auto – destruição que o acompanha.". No "fundo do poço" descobri que "nada disto era um gesto altruísta, era egoísmo puro".

Ainda estou no fundo do poço a tentar conhecer esse monstro que se alimenta de tanto sofrimento. Talvez eu não seja mais do que esse monstro.

Parabéns pelo texto.

Catwoman said...

Senhor do Mundo...n sei bem por onde começar mas talvez por "elogiar" a tua coragem em praticar essa eutanásia... eu sei que n deve ser assim que tu a sentes, como um elogio, mas independentemente das consequências, a atitude em si é tão corajosa como é difícil..."acabou" é uma porta pela qual mtos de nós nunca entram...preferem a morte lenta. Quer num caso quer noutro, o resultado é o mesmo : dor. Geralmente o resultado de querer devorar sentimentos...q cada vez mais me convenço que é um acto de egoísmo, sejam esses sentimentos positivos ou negativos...

Acredito que és mais Senhor do Mundo...talvez o monstro exista em ti mas não é a totalidade de ti. A luta talvez seja encontrar o contra-peso do monstro, mas acredito que ele exista. Dr Jekell e Mr Hyde todos somos, independentemente de qual se revela primeiro...

Vai aparecendo por aqui, espero que encontres na casa de bonecas companhia ocasional para a escuridão do poço. Um pouco de luz ou simplesmente uma forma de contornos negros que te acompanha no escuro...

Obrigada

Anonymous said...

Mais uma vez tens razão. Na altura pareceu-me um acto de coragem mas depois apercebi-me que tinha sido o contrário. Afinal o monstro é um homem sem qualidades. Quanto à dicotomia Jekyll/Hyde, talvez o Hyde seja o verdadeiro. Talvez as pessoas só se revelem em situações extremas.

Catwoman said...

Entendo o que dizes.
Estás a falar daquilo a que eu chamo "auto-sabotagem". Afastar pessoas da nossa vida ou evitar situações não por coragem ou lucidez mas por medo...medo de as deixar viver e morrer, medo de nos deixarmos viver e morrer. Não é fácil olhar para dentro e reconhecer isso pq parece uma condição inalterável do nosso ser e que nos irá sempre impedir de "ser feliz", seja lá o que isso for... é sentido como um comportamento de repetição, uma espécie de cão de Pavlov emocional.Tenho fé que não seja.

Sim, talvez as pessoas só se revelem em situações extremas...ainda n tenho a certeza...

Anonymous said...

Isso... O não querer deixar morrer e o medo de não deixar viver fizeram-me desejar o pior da morte, o esquecimento. Os outros esqueceram mas eu não.

Miss Vesper said...

compreendo perfeitamente Senhor do Mundo... a cabeça pode dar as voltas que quiser, arranjar todos os argumentos lógico-racionais que quiser, mas os batimentos cardiacos continuam sincopados, batem do mesmo modo e sem alterações.. o tempo pode atenuar as sincopes, mas não as suprime... o tempo só arrasta mais o passo, não o altera... e quanto ao medo, talvez seja mais sentir que o que faz o batimento cardiaco assim, jamais poderá ser novamente... não é medo de seguir em frente, nem medo de continuar a viajar, mas apenas sentir que mesmo em frente, um batimento sincopado jamais será o mesmo, e jamais baterá assim, como bate...

Anonymous said...

Durante dias que tenho andado a "namorar" este post... não sabia bem o que escrever... a dor presente em cada uma das linhas não só do próprio post como dos comentários, deixou-me vergonhosa da minha e sem muitas palavras…

Não sei qual das soluções é mais fácil, a eutanásia ou a morte lenta... nem sei se alguma delas será a correcta até porque ao seguirmos uma condenamos a outra… é como se uma parte de nós tivesse de morrer… decidimos com a cabeça ou com o coração (porque infelizmente raras vezes estão de acordo) e aquele que vencer irá sempre questionar o que teria acontecido se tivesse vencido o outro…

Apenas temos de escolher qual a parte que estamos dispostos a sacrificar, porque infelizmente não podemos ter tudo… e tudo nasce para morrer.

Miss Vesper said...

a escolha de sacrificar ou o sacrificio em si, na maior parte das vezes é imposto, se não todas as vezes, pela força que exerce, sobre nós, a dor... a dor é uma condutora, como a terra conduz a electricidade... a dor eletrifica-nos, corroendo os cabos e provocando o efeito descarnado...
aos poucos o descarnado dá lugar a uma dormencia, vazio... não deixando espaço para mais nada...
apenas o vazio... dormente...

Miss Vesper said...

anita, não consigo comentar o post, faltam-me palavras... nunca serão à altura de um post assim...

obrigada pelo teu post no meu blog... em breve as palavras talvez me iluminem para comentar de volta..

beijinhos e Obrigada