Tuesday, May 22, 2007

Assume the position


Ela descobriu que o seu masoquismo era a sua força e que a sua força era a sua fraqueza. Não sabia ser de outra forma e estava ali, persistente, resistente, a lutar pelo que ama. Mãos na secretária e ali ficaria até alguém a ir buscar. O mundo passaria à sua volta e ela ficaria ali até morrer porque é essa a sua natureza. Enquanto fizer sentido, para o bem ou para o mal, para viver ou morrer. Mesmo que a resistência a destrua, mesmo que a resistência a faça sofrer.

Ela já não tem medo da dor, entende que não se pode viver sem ela. Não está disposta a abdicar da felicidade (mesmo que seja um instante) só porque dói chegar até lá. Está disposta a tentar. A dor, agora, já não é uma coisa má.

Foi ele que lhe ensinou isso, foi ele que a ensinou a aceitar quem era. E ela fez o mesmo por ele – invadiu o mundo protegido das orquídeas, forçou a fechadura com doçura e coragem até conseguir entrar. “I just want to know you” diz Lee a dada altura.Mas para Mr. Grey esse era o maior desafio. Porque o seu sadismo era uma forma de disfarçar a fragilidade, fragilidade que era protegida à força de crueldade e frieza. Mas a partir do momento em que Lee preencheu as quatro paredes do escritório, não havia forma de voltar atrás.

Ela mostrou-lhe que havia lugar no mundo cá fora, que ele podia cuidar dela com o mesmo carinho e precisão com que tratava das orquídeas. E ela ficaria, como as orquídeas. A dor que infligiam um ao outro era tão parte da forma como se amavam quanto esse carinho. Uma forma de amar que fazia sentido para eles e só isso importava. Podiam existir assim um para o outro, em forças e fraquezas, em verdade.

"In one way or another, I've always suffered. I didn't know why, exactly. But I do know that I'm not so scared of suffering now. I feeI more than I've ever felt,... and I've found someone to feel with, to pIay with, to love,... in a way that feels right for me. I hope he knows that I can see that he suffers too,... and that I want to love him.Each cut, each scar, each burn, a different mood or time. I told him what the first one was. I told him where the second one came from. I remembered them all. And for the first time in my life, I felt beautiful. Finally part of the earth. I touched the soil and he loved me back. "

Excerto do filme " A secretária" de Steven Shainberg

http://www.imdb.com/title/tt0274812/

P.S. : Gostaria de saber falar melhor sobre "A Secretária", de vos fazer um resumo que fizesse sentido. Mas não consigo definir um filme em que me revejo tanto, aquilo que sou e aquilo que espero ser (e não, não tem nada a ver com a porrada White ;) lol ) em algumas linhas. Não há sinopse que lhe faça justiça, estas palavras também não. Vejam - amem ou odeiem - sintam. Talvez Lee e Mr Grey façam outra visita à casa de bonecas...eles andam pelos corredores, ocupam os quartos...e ainda têm tanto para dizer...

4 comments:

Anonymous said...

Eu admiro essa tua disponibilidade em aceitar a dor mesmo que isso não traga felicidade. Para mim, é como se fosse contra os sentidos, os instintos, contra a natureza. E a este respeito sou como a Anita. Se estiver errado, se for da idade ou das circunstâncias, deixem-me cair do cavalo e levantar-me sozinho... Mas nada me parece fazer mais sentido.

São pessoas como tu, dispostas a impôr a vontade e a sacrificar a felicidade que mudam o mundo. A dor sempre vai acompanhar a mudança.

Catwoman said...

Antes de mais, obrigada pelo comentário e pelos elogios Senhor do Mundo. Não tenho tanta certeza de que será assim,mas... obrigada

Ninguém gosta de sofrer (como tu dizes é contra os sentidos, os instintos e a natureza) mas a dor faz parte da vida e há coisas e pessoas pelas quais vale a pena esperar, persistir, resistir. Mesmo que no fim elas não venham até nós. A destruição não vem da espera mas sim do não saber parar, do não saber dizer "chega". Porque isso é "ordem" do instinto e não da razão. E enquanto o instinto, o sangue, o coração, me disserem que faz sentido, eu fico.Porque não consigo ser de outra forma... Ninguém gosta de sofrer mas não faz sentido ter medo da dor, é como ter medo da vida. A dor faz parte dela e há dor que culmina em felicidade e felicidade em dor.Não podemos querer uma renegando a outra, estão interligadas. E a Lee aprendeu isso através do amor, através de uma ligação que se formou entre dois seres iguais, dois seres que fazem sentido um para o outro. Uma ligação rara e por isso preciosa, que Lee não estava disposta a perder. Que Lee aprendeu a não estar disposta a perder. Mr Grey estava, por medo, porque era algo novo. Mas como tu dizes, a dor acompanha sempre a mudança e o medo também. E por muito que nos custe, a mudança é uma das poucas certezas da vida. Às vezes penso que resistir à mudança é o que nos faz sofrer mais e não a mudança em si... Old habits die hard...

Bem, mas já estou a divagar...como é hábito lol. Resta-me apenas dizer que a Lee é melhor do que eu, mais forte e corajosa. Eu tento ser...

Anonymous said...

Concordo bastante com o que diz o Senhor do Mundo, no que se refere à tua enorme capacidade se sofrimento, quase masoquista, desculpa ser tão frontal.Não te estou a chamar masoquista, longe disso, mas sim a qualificar a tua predisposição para aceitar e conviver com o sofrimento, que não procuras, mas que achas quase natural que conviva dentor de ti, com outros sentimentos. Estarei errado?
Uma beijoquita grande.

Catwoman said...

Não Pinguim, não estás errado ;) entendo perfeitamente o que queres dizer com masoquista. Para mim, é o masoquismo de sermos como somos, cada um à sua maneira - o masoquismo de não conseguirmos fugir de nós mesmos, ao bom e ao mau.Somos como somos e há coisas que vieram para ficar. É como tentar fugir da nossa própria sombra.
Como a Lee na "Secretária", eu não consigo fugir a esta minha forma de encarar a dor...
Mais uma vez a tua capacidade de análise é apurada, tal como a tua sensibilidade - é isso mesmo que penso : é natural que exista dor em mim, como é natural que exista amor, alegria, tristeza...são sentimentos e reflexos de Ser, de Viver. E acho que todos tentamos não viver pela metade...quer consigamos ou não.
Tens razão, não procuro a dor, é anti-natura querer sofrer, mas também é anti-natura ignorar o sofrimento como parte da vida. Tenho mtas coisas para resolver, mtos processos para aprefeiçoar, mtos sentimentos com os quais ainda n sei lidar, i'm a work in progress, an imperfect creature.Mas a dor é algo que aceito como parte de mim e da vida. Talvez seja algo que veio mais resolvido no código genético..." A dor de agora faz parte da felicidade de então"

Beijoquitas :)