Tuesday, December 30, 2008
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Saturday, December 6, 2008
I Want To Believe
Sunday, November 9, 2008
Blindness
O ditado diz que “ em terra de cegos, quem tem um olho é rei”. Neste caso, ela é uma "rainha" condenada a assistir à podridão humana de olhos bem abertos. Esta "cegueira" de Saramago é sobre o poder da visão. Sobre o poder esmagador da visão quando realmente vemos e não nos limitamos a olhar.
O que se passa dentro do asilo é apenas um micro-cosmos para a nossa realidade diária. Qualquer noticiário está cheio de histórias semelhantes. A personagem de Julianne Moore representa aquilo que aconteceria se de facto não pudéssemos desviar os olhos e ignorar. Se as constantes violações do corpo e da alma não se tornassem banais porque são frequentes.
Se todos sairmos desta "cegueira branca" como ela, a lutar com unhas e dentes pelas réstias de afecto e toque, então a esperança vive no fundo da caixa de Pandora. O preço por encarar o mundo em toda a sua dura complexidade é alto e muitas vezes desejamos estar cegos. Mas é esse frente a frente que torna o nosso amor por esse mesmo mundo ainda mais belo. Porque é um amor que está para além da beleza, que nasce nas entranhas fedorentas da Humanidade. Não precisamos de mergulhar nelas todos os dias mas "molhar os pés" de vez em quando intensifica tudo o resto. A beleza é mais rica quando é feita de sombras que lhe esculpem os contornos. Se elas não existirem, é apenas uma superfície lisa que não podemos abraçar.
Sunday, October 26, 2008
Mamma Mia
Monday, October 13, 2008
Sunday, September 28, 2008
Bolas de naftalina
Parecia saída de um guarda-fatos de Narnia, cheia de colares de pérolas, rendas pretas e casacos de peles. Aparecia sempre de surpresa, cansada e vagamente perdida no tempo, como se tivesse vindo numa perignação de doces e histórias tristes. Os doces vinham na mala preta de lantejoulas, reminiscente dos anos 20. As histórias, essas, vinham nos olhos azuis, líquidos e transparentes como água. Eram levemente cinzentos como um mar que já viu muitas tempestades.
Lembro-me de poucas coisas concretas a respeito dela mas é uma presença omnipresente nas minhas memórias de infância. Como um cheiro que nos remete para algo que vivemos, também ela era uma âncora que me ligava à pessoa que eu era. Não pela proximidade emocional mas pelo mecanismo de busca que activava no meu cérebro.
Quando estas âncoras desaparecem será que perdemos um pouco dessa essência distante? Será que os fragmentos esfumaçados da nossa memória são suficientes para ainda lhe dar consistência?
Quando me lembro dela recupero memórias cuja existência eu desconhecia. Provavelmente estavam perdidas no mesmo guarda-fatos de onde ela saia e onde eu me escondia quando era pequena, para fugir da minha avó. Sentava-me no meio dos casacos e em cima das mantas e ali ficava, no escuro, à espera que me encontrassem.
Estas memórias deviam estar no bolso de um desses casacos. Agora que o voltei a usar, levei a mão ao bolso e encontrei-as. Como uma nota ou um bilhete antigo de cinema, já sem cor, que nos faz viajar para o passado.
Se calhar, há uma parte de nós que se torna inacessível à medida que vamos crescendo e só estas âncoras têm força suficiente para as manter à tona. Ou então, a pessoa que erámos nessa infância distante começa a assemelhar-se às imagens do Titanic no fundo do oceano: um pedaço de aço enferrujado a destilar memórias no silêncio líquido. Em toda a sua glória e beleza misteriosa, torna-se indestrutível. O preço que pagamos por esta sobrevivência teimosa é a distância. Da realidade e das âncoras que nos prendem ao solo.
Tuesday, September 16, 2008
I'm just drawn that way...
Friday, September 5, 2008
Tenha medo, tenha muito medo
2.Desconfie de estranhos com joelhos que se dobram para trás quando andam e para os lados quando correm (fazem-se excepções se o estranho em questão for contorcionista, aberração de circo ou se tiver seguido à risca a regra nr. 5)
3. Se o seu filho de 5 anos lhe falar com voz grossa, não tente perceber, chame um exorcista (se não resultar e o miúdo começar a vomitar uma mistela verde, aconselho que volte à regra nr.1 . Better safe than sorry)
4. Não tome duche se estiver sozinho em casa. Lave-se por partes (pode não ser muito higiénico mas aposto que a gaja do Psycho, dado o seu final trágico, não se teria importado em ter algum odor corporal...)
5. Se a meio da noite ouvir barulhos estranhos na cozinha, não vá ver o que é, fuja pela janela do quarto (se viver num 7º andar, aconselhamos a que não salte. Foi esse o problema do gajo da regra nr2. Vá buscar a arma que usou para matar a criancinha dos infernos e vá direito à cozinha)
6. Se for lavar os dentes, não se olhe ao espelho. Melhor, não lave os dentes (como para lavar os dentes não precisamos de nos olhar ao espelho, esta podem ignorar. Só não digam bloody mary 3 vezes perto do espelho e enquanto lavam os dentes)
7. Não dê boleia a homens com machados (especialmente se tiverem um Smart. O homem e o machado não cabem lá dentro e depois é uma grande chatice se ele vos quiser matar. Não tem espaço para manobrar o machado)
8. Não compre bonecos que andem ou falem (não interessa se se chamam Cindy ou Fluffy Bear. Vão acabar por se transformar no Chucky. São estes bonecos que dão origem às criancinhas das regras 1 e 3)
9. Não entre em cemitérios à noite e evite sotãos, caves, cabanas abandonadas e bosques (estas explicam-se por si mesmas...quem é que quer fazer coisas destas?? Só mesmo alguém que nunca tenha visto filmes de terror)
Bom fim de semana!
Tuesday, August 19, 2008
Buffy
(se querem a minha opinião, quem devia ter levado com uma estaca era o outro namorado, que aparece umas séries mais à frente neste enredo. Americano até à medula, era bocejante como ele só. Mas isso posso ser eu, que até acho piada a um homem com uma pitada - só uma pitada - de "bad boy". Antes bad que boring).
Para além disto tudo, a menina ainda canta, dança, e tem um sentido de humor retorcido.
Senhoras e senhores, Buffy Summers, a Caçadora de Vampiros. Nas horas vagas, fora de Gotham City e sem a minha máscara, não me importava de ser como ela ;)
Sing along, once more with feeling!
Sunday, August 3, 2008
Pornography
- Em que é que pensas quando estás a dançar?
- Penso em ti. Mas não devia.
- Porquê?
- Porquê o quê? Porque é que penso em ti ou porque é que não devia?
- Porque é que não devias.
- Não sei.
- Isso não é resposta.
- Eu sei que não é. Mas às vezes “não sei” é o melhor que se pode saber.
- E porque é que pensas em mim?
- Porque a tua imagem fala mais alto do que a música.
- Então quando danças, danças para mim?
- Se fosses menos presunçoso tinhas mais charme...
- Isso é um não?
- De certa forma é um "sim". Mas só porque não estás lá. Se estivesses, não o faria.
- Porquê? Achas que isto é um erro?
- “Porquê, porquê”. Já devias ter ultrapassado a idade dos “porquês”.
- Sim ou não?
- Talvez...mas mesmo que seja um erro, pode não ser necessariamente errado.
- Tu adoras contra-sensos.
- A grande beleza disto tudo é ser um contra-senso.
- Disto, nós?
- Não, a vida. Isto pode ser errado porque tu és tu e eu sou eu, mas também pode ser a coisa mais certa do mundo porque tu és tu e eu sou eu.
- Pois... podemos estar a desperdiçar o melhor de nós porque mais tarde pode revelar-se o pior em nós.
- O pior é perdermos um pedaço de nós que não pode ser reconstruído. Mas esse pedaço também nunca poderá existir se não arriscarmos estilhaçá-lo, portanto.. Lá está o contra-senso outra vez. Ou o duplo senso.
- Como dois bailarinos. Tens que acreditar que o teu parceiro não te vai deixar cair mas se acontecer, tens que voltar a confiar nele. Ou então mudar de parceiro.
- Não, isso não. Eu gosto de dançar contigo.
- Mesmo que eu te deixe cair?
- Sim. Se for esse o caso, teremos apenas que aprender outra dança.
- Então é porque não sou assim tão presunçoso.
- És. Mas eu gosto de arestas por limar.
- Pretendes limar-me?
- Não, pretendo deixar-te exactamente como és.
- Isso é estranho.
- Eu sou uma pessoa estranha.
- És. Mas eu gosto de arestas por limar.
- Pretendes limar-me?
- Não, pretendo descobrir que não és tão perfeita como pareces.
- E não sou.
- Pois, esse é o grande problema. Se não fores, tornas-te ainda mais perfeita.
- Perfeito seria irmos dançar agora.
- E se eu não souber dançar?
- Claro que sabes. Uma dança é uma conversa sem palavras. E nós já falámos muitas vezes em silêncio.
Tuesday, July 29, 2008
Sunscreen
Do one thing everyday that scares you
Don’t be reckless with other people’s hearts, don’t put up with people who are reckless with yours
Don’t waste your time on jealousy; sometimes you’re ahead, sometimes you’re behind…
Keep your old love letters, throw away your old bank statements
Don’t feel guilty if you don’t know what you want to do with your life…the most interesting people I know didn’t know at 22 what they wanted to do with their lives, some of the most interesting 40 year olds I know still don’t.
Enjoy your body, use it every way you can…don’t be afraid of it, or what other people think of it, it’s the greatest instrument you’ll ever own..
Dance…even if you have nowhere to do it but in your own living room.
Read the directions, even if you don’t follow them
Understand that friends come and go, but some precious few you should hold on.
Travel
E usem sempre protector solar ;)
Saturday, July 26, 2008
Boca a boca
- Nem por isso...prefiro canela. Não gosto de coisas muito doces.
- Isso quer dizer que não gostas de chocolate?
- Sou viciada. Mas prefiro chocolate preto.
- Mas o chocolate é viciante por ser doce.
- Não, o chocolate é viciante por ser chocolate.
- Então e...
- Podes parar com o interrogatório. Não gosto de nada adulterado, detesto tudo o que mascare o sabor real das coisas.
- Mas pões açúcar no chá e no café
- Gosto de adicionar um bocadinho de açúcar às coisas mas nunca o suficiente para as alterar ao ponto de não conseguir diferenciar os sabores. Ou que um sabor se sobreponha aos outros.
- Gostas de separar o trigo do joio, mas só quando te interessa.
- Talvez, não digo que não. Não somos todos assim, um bocadinho parciais e egoístas?
- Alguns.
- Lá estás tu armado em paternalista. Quem gosta de coisas doces é mais altruísta, é isso?
- Não, é mais optimista.
- Acho que era o Oscar Wilde que dizia que um optimista é um pessimista sem experiência de vida...
- O Oscar Wilde era um cínico como tu. Mas depois também devia pôr açúcar no chá...
- Talvez seja um pouco cínica, mas quem é que disse que doce é melhor do que amargo? Nada é sempre doce, até o doce se estraga. Gosto de ver as coisas como elas são. Mas é preciso manter alguma sanidade. É sobrevivência e não cinismo.
- Como assim?
- Lembras-te de quando éramos crianças? Depois de tomar um remédio amargo, comíamos uma bolacha ou bebíamos sumo. O açúcar ajudava a engolir uma coisa que sabia mal, mas continuavas a ter os dois sabores misturados na boca.
E no fundo, era o sabor mais amargo que te curava... É importante nunca esquecer o que nos amargou. Mas também é importante não deixar de sentir o sabor doce das coisas que vêm depois.
- Já não estamos a falar de comida, pois não?
- Alguma vez estivemos?
Monday, July 21, 2008
A realidade agora a cores...?
Sunday, July 13, 2008
Sexto(s) Sentidos
Depois dos cinco
O sexto sentido
Sabera tudo entrelacar
É por tudo o que em nós corre
Que se vive e que se morre
Eu toco, eu fujo, eu volto, eu passo
Giro nos meus seis sentidos
Eu desco à terra e subo ao espaco
Agarrado aos seis sentidos
Sérgio Godinh0, Sextos Sentidos
Monday, June 9, 2008
Sex and the City
“Vocês são os grandes amores da vida dela. Qualquer homem será um sortudo por estar em 4º lugar”, diz Big antes de cavalgar para Paris em busca da sua princesa. E tem razão.
Tuesday, May 20, 2008
The Girl With Many Eyes
I met a girl who had many eyes.
She was really quite pretty(and also quite shocking!)
and I noticed she had a mouth,
so we ended up talking.
We talked about flowers,
and her poetry classes,
and the problems she'd have
if she ever wore glasses.
It's great to know a girl
who has so many eyes,
but you really get wet
when she breaks down and cries.
Sunday, May 4, 2008
My Blueberry Nights
Friday, May 2, 2008
Sunday, April 27, 2008
Blade Runner
Replicant. Implica o acto de duplicar o mesmo ser várias vezes, criando sempre o mesmo produto final. Um todo homogéneo e imutável, isento das transformações que o contacto com o mundo opera. Uma vida com prazo de validade (não o são todas?) controlada do nascimento à morte e, por isso, menor. "Nem sempre é fácil encontrar o nosso criador", diz Roy. O criador esquece-se que, ao lançar a "criação" para o mundo, esta torna-se outra, é entregue a si própria. Vê, sente e evolui.
Num mundo de Replicants, a individualidade é muitas vezes esquecida. Excepto por aqueles que a sentem na pele. Mesmo que a pele seja sintética.
E talvez seja assim. Vemos coisas, sentimos coisas, vivemos e depois morremos. E com cada um morre algo de único e irrepetível. E são esses momentos entrelinhas, no entretanto, que se tornam mágicos. Aqueles momentos parvos e sem nada de grandioso em que tudo acontece e que tudo marcam. As pessoas perderam a capacidade de simplesmente estar, sem que nada mais seja preciso. Estar com o outro, apenas. Sem grandes acontecimentos ou planos. Just be.E são esses momentos que devem ser Replicants.
Boa semana !
Monday, April 21, 2008
Serial instincts
It's not easy having yourself a good time
I can't decide
It's a bitch convincing people to like you
Sunday, April 20, 2008
The wild rose
They call me the wild rose
And I believe in Love
And I believe in some kind of path
That we can walk down
Duas das minhas músicas favoritas de Nick Cave, para aqueles que conseguiram bilhetes para o concerto e para os que não conseguiram... eu não consegui snif snif
Quem lá for, passe por aqui e conte tudo!
Boa semana para todos
Monday, March 31, 2008
Às vezes apetece dizer...
Às vezes apetece mesmo...
Friday, March 28, 2008
Sing along
You have to understand the way I am,
Bom fim de semana!
Monday, March 3, 2008
Into the Wild
Henry David Thoreau
Durante os últimos quatro meses a minha vida profissional tem sido feita de palavras. São a minha ferramenta diária, o barro que moldo para tentar obter uma estátua tosca, imperfeitamente perfeita. É sempre uma tarefa incompleta e frustrante, tanto quanto é gratificante.
As palavras têm que sair a um ritmo doido e, por vezes, de forma mecânica. É uma técnica que se adquire, como outra qualquer. Mas não sem custos. A consequência negativa deste ritmo é a ausência de palavras para usar na vida pessoal. Quando volto para casa, perdem-se pelo caminho. Ou pelo menos, perdem a sua forma de expressão. Como numa tela de cinema mudo, onde tudo mexe mas nada se diz.
Circles they grow and they swallow people whole...
Há algumas semanas atrás, cruzei-me com Into de Wild, o novo filme de Sean Penn. Nesta tela, a história de Chris McCandless é contada através de imagens de uma viagem solitária. "Diálogos" de um para um, nos quais as palavras se encontram com o silêncio e existem apenas como parte do sangue que corre nas veias. Circulam pelo corpo sem necessidade de tradução, consequências do overload de emoções que o exterior provoca. Citações de Thoreau misturam-se com as palavras de Alex Supertramp (o alter-ego de Chris) e com as letras de Eddie Vedder, construindo a paisagem interior do filme. Palavras que existem como Chris existe na estrada, sozinho.
A mind full of questions, and a teacher in my soul
Deu todas as suas poupanças e partiu, rumo ao Alasca. Queria escrever a sua própria história e assim o fez: pela estrada alarga o círculo que o sufocava, retirando, camada após camada, aquilo que é falso. Aquilo que é mecânico. Aquilo que, por força do hábito e do ritmo louco, deixamos passar como verdadeiro. Tudo aquilo que Chris sempre viu à sua volta e queria desesperadamente evitar.
All my destinations will accept the one that's me / So I can breathe...
Aos 23 anos viveu uma vida inteira e, quero acreditar, cumpriu o seu destino em 2 anos de caminho. Tocou e foi tocado por seres humanos extraordinários, marcas da sua existência no planeta. Descobriu tarde demais a importância do outro nas nossas viagens solitárias, mas como ele próprio diz “ Se eu estivesse a sorrir e a correr para os teus braços, verias o que eu vejo agora?”.
Everyone I come across, in cages they bought / They think of me and my wandering, but I'm never what they thought / I've got my indignation, but I'm pure in all my thoughts/ I'm alive...
Seja na vastidão do Alasca ou no espaço exíguo de uma rua, defendo os momentos de solidão em que as palavras se perdem no vazio. Aqueles que são nossos e intransmissíveis, quando o mundo à volta nos sugou a energia para explicar seja o que for. Defendo o diálogo interior sem necessidade de eco, sem querer saber o que os outros acham. A necessidade de estar apenas em silêncio sem que o silêncio tenha que ter uma razão de ser, para além de simplesmente não conseguirmos falar. O encontro com aquela última camada que somos nós, o verdadeiro eu. Mas defendo também aqueles que simplesmente estão lá, mergulhados na sua própria viagem, mas de mãos dadas connosco. Aqueles que não pedem explicações para o que não pode ser explicado. Aqueles que fazem com que os momentos sejam verdadeiros. “Happiness is only real when shared”.
Não fujam dos murros no estômago, são eles que nos acordam. Evitem todas as jaulas, alarguem todos os círculos, conheçam todas regras mas não se deixem vergar por nenhuma. Não tenham medo da ausência de palavras só porque elas não conseguem ser ouvidas pelos outros. Não é uma ausência, é apenas um silêncio. E o silêncio é um nada que é tudo. É um eco de tambor que ressoa dentro de nós.
Viajem sem mapa, quem chegar ao Alasca primeiro acende a fogueira....
Wind in my hair, I feel part of everywhere /Leave it to me as I find a way to be / Consider me a satellite, forever orbiting / I knew all the rules, but the rules did not know me / Guaranteed
Boa semana para todos!
Sempre que as palavras voltarem, estarei aqui para as partilhar...
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Tuesday, February 5, 2008
Sweeney Todd e as tartes deliciosas
Por outro lado, o mundo do Juiz Turpin era seco e vazio. Precisava de algum calor. Para azar de Barker, Lucy pareceu-lhe a “lareira” ideal. E como roubar é mais fácil, dá menos trabalho e, no fundo, como homem da lei até já tinha alguma prática no assunto, Turpin afastou Benjamin do caminho, mandando-o prender sob uma falsa acusação. Sem saber ler nem escrever, perdeu tudo num instante de inveja, misturado com doses massivas de mau carácter. Todos eles ingredientes desconhecidos para o paladar de Benjamin e que lhe deixaram um gosto amargo na boca.
Desse fel nasceu Sweeney Todd, fruto de 15 anos de isolamento nos confins da Humanidade. Todd é o que resta do Homem, uma caixa de Pandora na qual apenas ficou um sentimento – se Benjamin era feito de mel, Sweeney é temperado com a pimenta da vingança. O seu mundo é cinzento e pálido, a única cor é o vermelho que jorra das jugulares cortadas. Para azar de Turpin, o seu sangue tem uma tonalidade que agrada a Sweeney...é mesmo a tinta que faltava para acabar o quadro...
Numa entrevista recente de Johnny Deep, o actor que consegue fazer tudo dizia : “num mundo perfeito todas as pessoas esqueceriam e perdoariam os males que foram feitos, mas não sei se é possível uma pessoa simplesmente esquecer e perdoar um mal imenso de que foi vítima. Eu sei que nunca seria capaz. Se alguém me faz mal, a mim ou a alguém que amo, faço sempre questão de que essa pessoa saiba que, agora, é guerra. Sou um grande admirador da vingança. Sou mesmo! Pode ser uma vingança subtil. Pode ser apenas feita através da ordem natural do mundo, tipo karma.”
Li isto pouco antes de ver o filme e pensei “gosto deste gajo”. Eu sou do clube de Deep e acredito em chapadas de luva branca, mesmo quando algumas pessoas merecem um tratamento mais....”cortante”. Sweeney Todd, pelo contrário, é mais murros no estômago... e barbas muito bem feitas. Mas mesmo muito bem feitas....
Ao longo do filme, estas palavras de Deep ecoavam no meio da música e embora nunca tenham perdido o sentido ou a veracidade, ganharam outros contornos. Porque o homem que Deep desempenha no filme, é um homem cego pela vingança. O que vemos nos olhos de Deep/Sweeney é oco e vazio, uma carcaça sem alma, indiferente a tudo e a todos – ao amor de Mrs. Lovett e até aos fragmentos da vida luminosa que teve antes. Lucy e Johana são, agora, parentes pobres da vingança. As navalhas de prata são o grande amor de Sweeney Todd.
A tragédia final é inevitável, embora, secretamente e com toda a ingenuidade de Benjamin, todos nós desejássemos uma final diferente para Sweeney. Uma vida à beira mar com Mrs. Lovett, talvez. Mas no fundo, será que Sweeney desejaria um final diferente para si próprio? Não me parece que voltasse atrás, que renegasse a sua vingança. Tudo foi como tinha que ser, bom ou mau. O seu último momento é marcado por um subtil acto de aceitação, assumindo as responsabilidades de um percurso. À sua maneira negra e retorcida, é um “viveram felizes para sempre”...
O novo filme de Tim Burton é um musical mas não esperem austríacas a correr pelos montes e criancinhas adoráveis. Este é um musical diferente...A única criança da história faria os Von Trapp borrarem-se de medo. E em comparação com eles, é um velho de 80 anos.
Para além do sempre deslumbrante Johnny Deep, Helena Bonham-Carter é deliciosamente perversa. A sua Mrs. Lovett é uma boneca de trapos que tenta cozinhar um futuro mais risonho com as sobras que lhe são dadas. Adorável e odiável ao mesmo tempo, mas profundamente humana, por baixo de toda a maquilhagem gótica.
Sweeney Todd é Tim Burton em tudo aquilo que o caracteriza. Para quem gosta, é uma refeição completa. Para quem não gosta, talvez saia do cinema com fome. Seja como for, tenham cuidado com a tartes de Mrs.Lovett...podem engasgar-se com algum osso que tenha escapado à trituradora...