Sunday, July 22, 2007

Lady in the Water

Este filme é definido como uma história de embalar. Uma história de embalar que M. Night Shyamalan contava todas as noites aos filhos e que lentamente se foi transformando num argumento. É a estória de Story, uma narf ou ninfa da água, habitante de um mundo antigo que no início dos tempos interagia com o mundo do Homem. Até o Homem se esquecer de como comunicar e ouvir os habitantes do Mundo Azul, perdendo assim parte da sua clarividência e inocência. A passagem da infância à idade adulta.

Cleveland é o porteiro de um complexo de apartamentos, uma figura aparentemente neutra e apática que funciona como elo de ligação entre os vários condóminos, uma rede de seres singulares e estranhos. É ele que encontra a narf na piscina dos apartamentos, é ele a ponte que liga Story ao mundo. O mundo que é obrigado a enfrentar novamente por “amor” a Story. Tal como se afastou dele por amor.
Não foi por acaso que Cleveland encontrou a narf. Esta viagem é a sua função, a sua essência. E é de função, propósito e essência, que fala Lady in the Water. De que falam todos os filmes de M. Night Shyamalan.


Em “Sinais”, outro dos seus filmes, há uma cena entre os dois protagonistas em que o mundo é dividido em dois tipos de pessoas – aqueles que acreditam em sinais, que acreditam que há uma ordem para as coisas, e aqueles que acham que a vida é uma sucessão de momentos arbitrários. Shyamalan insere-se na primeira categoria. Essa convicção percorre todos os seus filmes em pequenas pistas que nos indicam o final. Pistas que nem sempre são visíveis de imediato e muitas vezes só nos ocorrem depois do filme acabar, mas que estão lá – são frases, cores, momentos, que transmitem intuições. Porque M. Night acredita em sinais.

Em Lady in the Water, todas as peças se vão encaixando, pequenos sinais se vão revelando importantes e todos os “handicaps” se transformam em características essenciais para o desenvolvimento da estória – devolver a narf ao Mundo Azul, combatendo as forças que o querem impedir. As mesmas forças que nos impedem de ver além das fraquezas. Tudo aquilo que as personagens sempre encararam como inadequações ou bizarrias encontram em Story um propósito. Story representa a tal inocência e clarividência que nos filmes de Shyamalan parecem andar sempre de mãos dadas. Talvez por isso as crianças e o seu universo sejam sempre protagonistas nas histórias de M. Night, porque conseguem ver para além dos preconceitos e pré-definidos do mundo adulto e ter uma ligação intuitiva aos sinais que as rodeiam. Lady in the Water exige isso de nós, um regresso à infância, a mundos de monstros e fadas, de Guardiões e Simbolistas. Uma viagem ao passado para poder encarar o futuro. To move on. Há um pouco de Cleveland em todos nós, escondido e paralisado naquela figura neutra e apática. E provavelmente todos nós temos uma Story, que nos revela o nosso propósito e função no mundo. Ou uma série de Storys, porque esse propósito tem muitas curvas e contra-curvas, é mutável ao longo da vida.

Também eu acredito em sinais e talvez seja essa a minha fonte de ligação aos filmes de Shymalan. Acredito em sinais. Se tenho alguma religião ou fé, presumo que seja essa, que o mundo não é arbitrário, que as coisas acontecem e encaixam-se de uma forma que faz sentido, mesmo que seja um sentido desfocado que se vai tornando mais claro ao longo dos tempos. Se houve alguma coisa que me acompanhou ao longo dos anos e das mudanças, foi esta convicção. Está entranhada em mim e talvez assim o seja para me ajudar a sobreviver. Citando Lady in the Water, é a minha força de vida, aquilo que teima em palpitar mesmo quando tudo à volta parece morto...

Neste momento sou Cleveland, porteiro desta casa. Story está algures por aqui, nadando no Mundo Azul, à espera que eu a encontre, à espera que eu a ajude a transmitir esperança e beleza ao mundo. Eu procuro Story, a minha clarividência. O som do seu chapinhar na água chega até mim, distante, no eco dos corredores. Um dia chegarei até ela....espero eu.



“Long and hard is the path that leads from darkness into light” - Paradise Lost , John Milton



P.S. : Anita, obrigada pela recomendação ;) Embora continue, à primeira visão, a ter alguns...conflitos...com a forma como o Shyamalan tem decidido mostrar algumas das criaturas mais fantasiosas nos últimos filmes, a filosfia inerente à história é a minha cara lol tinhas razão :) Beijocas

5 comments:

onmywaytoheaven said...

todos "procuramos algo"...algo que fa�a sentido...um caminho...um sinal...

Catwoman said...

Sem dúvida Inixion...e tão difícil quanto encontrar esse sentido e esses sinais é entender o que eles significam na nossa viagem...

Anita said...

Ainda bem que gostaste... quanto às criaturas, uma vez que é suposto fazerem parte de uma história de encantar, não me fizeram tanta "comichão" como o ET do Signs.

Como te disse, acho que o que mais me emocionou no filme, foi aquele espírito de que todos nós, até o mais estranho de nós, tem um propósito para existir... uma razão que justifique a sua weirdness lol... pode ser que haja assim solução para mim ;)

Beijinhos

luiscutileiro said...

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Fernando Pessoa

Catwoman said...

Caro Luís, obrigada pela visita e pelo poema lindíssimo. Adoro Fernando Pessoa... e a escolha foi perspicaz, sensível e muito adequada. É exactamente isso!

Beijos