"(...) E fiquei a pensar no que me tinhas dito antes, sobre os sahraoui: como não têm nada, absolutamente nada, poupam tudo. Poupam a água, poupam as energias viajando de noite para evitar o calor. Até poupam nas palavras.
- Mas tu não poupas as palavras: tu escreves. Todas as noites gastas uma hora a escrever um diário nesse teu caderno...
- Escrever não é falar.
- Não? Qual é a diferença?
- É exactamente o oposto. Escrever é usar palavras que se guardaram: se tu falares de mais, já não escreves, porque não te resta nada para dizer. "
Miguel Sousa Tavares, No teu deserto
"(...) As pessoas hoje «vão ao deserto», passeiam pelo sul da Tunísia e pouco mais. São incapazes de enfrentar a solidão. É por isso que vivem em redes sociais, virtualmente acompanhadas.
É o oposto dessa viagem em que o que é preciso é encontrarmo-nos só connosco, com meia dúzia de pessoas que são capazes de estar caladas durante cinco horas. Quem é que, hoje, é capaz de estar rodeado de pessoas e calado tantas horas? Ninguém. O silêncio dá medo, atordoa (...)"
Miguel Sousa Tavares in Visão
2 comments:
De facto, quanto mais ganham espaço as interacções virtuais, mais se perde a oportunidade de reflectir de forma isolada. Penso que os diários, tão populares há anos, estão totalmente fora de moda. É pena, porque consistiam, mais tarde, uma forma excelente de "revisitar" certas passagens da nossa vida.
Concordo contigo e com o Sousa Tavares. Mas por outro lado, a interacção virtual permite uma forma de conhecimento mais rápida e, por vezes, mais "profunda". A protecção dada pela distância pode resultar num quebrar de barreiras. Todo o processo de descoberta do outro pode ser acelerado através das palavras trocadas.
O segredo está em trazer, depois, essa interacção para o plano real, dando-lhe contornos palpáveis. E neste caso, as palavras podem ser supérfulas e os silêncios preciosos...
Os blogs funcionam um pouco como uma versão actual desses diários...mas nada substitui esse acto de que falas, de voltar a ler o que escrevemos há anos atrás e perceber o que se passou entretanto. Muitas vezes não nos reconhecemos nem nas palavras, nem nos sentimentos. Deixei de ter esses diários há uns tempos atrás. Não porque não façam sentido para mim, mas porque as palavras passaram a existir mais nesse silêncio de que fala o Miguel Sousa Tavares. Parecem não ter tradução gráfica.
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