"In the beginning, all the Lord's people, from all parts of the world, spoke one language. Nothing they proposed was impossible for them. But fearing what the spirit of man could acomplish, the Lord said, "lets us go down and confuse their language so that they may not understand one another's speech".
Marianne Pearl é uma budista francesa, casada com um judeu americano. Talvez por nunca ter falado apenas uma língua, acredita no diálogo. Acredita que a comunicação é o caminho a seguir, que conhecimento é poder. Se pararmos de ouvir o outro, perdemos a esperança. Quando o seu marido foi capturado e morto, estava grávida de cinco meses e não se podia dar ao luxo de perder essa esperança. Nem deixar que a raiva a dominasse. Marianne Pearl recusou ver a sua Humanidade “amputada”. Ela sabia que o sofrimento é uma palavra da linguagem comum, que entre os bons e os maus há toda uma paisagem indefinida Sabia que a dor dela era igual a tantas outras dores Paquistanesas, que situações como a que vivia eram fruto da ignorância e da miséria – ignorância na recusa de tentar perceber o que nos é desconhecido, sabendo que esse entendimento não nos torna cúmplices nem iguais, apenas mais ricos e apetrechados para lutar. Miséria, porque é essa a principal arma do terrorismo, que a usa como forma de obter aliados. Quando a população de países como o Paquistão tiver as suas necessidades básicas resolvidas, talvez seja mais difícil recrutar membros para as jihads. Manter o corpo prisioneiro para impedir o sustento do espírito é uma arma mais poderosa do que todas as bombas.
Marianne tinha a coragem de reconhecer o que tem em comum com quem mudou a sua vida de forma tão violenta, a coragem de não simplificar uma questão que desafia a explicação mais complexa. Sabia que a morte do seu marido não era culpa nem dos americanos nem dos muçulmanos, era consequência da surdez mundial. E os gritos de desespero que lhe saem das entranhas quando descobre que Daniel foi decapitado, quebram qualquer surdez crónica. São gritos que nos trespassam a pele e fazem eco. Um eco compulsivo e incontrolável. Porque se nos calarmos e simplesmente ouvirmos, nesse silêncio interior em que damos espaço ao outro para ecoar em nós, iremos perceber que falamos todos a mesma língua.
Daniel Pearl era jornalista do Wall Street Journal. Depois do 11 de Setembro, foi para o Paquistão cobrir a guerra no vizinho Afeganistão. Em vésperas de sair do país, foi raptado por um grupo extremista que reenvindicava melhores condições para os prisioneiros de Guantanamo Bay. A moeda de troca era a vida de Pearl : “Se melhorarem as condições desses prisioneiros, também nós melhoraremos as condições de cativeiro de Daniel Pearl". Algumas semanas depois de ter sido capturado, Pearl foi decapitado. Como seria de esperar (e até lógico) o governo norte-americano recusou-se a negociar – na balança estava a vida de um indivíduo e toda a filosofia de um país. É fácil perceber qual era o lado mais fraco. Nos meandros das grandes questões, as vítimas são sempre de carne e osso. E esta é uma história sobre o que cai nas fendas dessas questões, é uma história de humanidade vista pelos olhos de Marianne, a mulher de Daniel Pearl – também ela jornalista, também ela ali para contar uma história. E foi o que fez, se bem que a história que acabou por contar não tenha sido aquela que esperava.
Marianne Pearl é uma budista francesa, casada com um judeu americano. Talvez por nunca ter falado apenas uma língua, acredita no diálogo. Acredita que a comunicação é o caminho a seguir, que conhecimento é poder. Se pararmos de ouvir o outro, perdemos a esperança. Quando o seu marido foi capturado e morto, estava grávida de cinco meses e não se podia dar ao luxo de perder essa esperança. Nem deixar que a raiva a dominasse. Marianne Pearl recusou ver a sua Humanidade “amputada”. Ela sabia que o sofrimento é uma palavra da linguagem comum, que entre os bons e os maus há toda uma paisagem indefinida Sabia que a dor dela era igual a tantas outras dores Paquistanesas, que situações como a que vivia eram fruto da ignorância e da miséria – ignorância na recusa de tentar perceber o que nos é desconhecido, sabendo que esse entendimento não nos torna cúmplices nem iguais, apenas mais ricos e apetrechados para lutar. Miséria, porque é essa a principal arma do terrorismo, que a usa como forma de obter aliados. Quando a população de países como o Paquistão tiver as suas necessidades básicas resolvidas, talvez seja mais difícil recrutar membros para as jihads. Manter o corpo prisioneiro para impedir o sustento do espírito é uma arma mais poderosa do que todas as bombas.
Marianne tinha a coragem de reconhecer o que tem em comum com quem mudou a sua vida de forma tão violenta, a coragem de não simplificar uma questão que desafia a explicação mais complexa. Sabia que a morte do seu marido não era culpa nem dos americanos nem dos muçulmanos, era consequência da surdez mundial. E os gritos de desespero que lhe saem das entranhas quando descobre que Daniel foi decapitado, quebram qualquer surdez crónica. São gritos que nos trespassam a pele e fazem eco. Um eco compulsivo e incontrolável. Porque se nos calarmos e simplesmente ouvirmos, nesse silêncio interior em que damos espaço ao outro para ecoar em nós, iremos perceber que falamos todos a mesma língua.
(C) Sebastião Salgado
"If you want to be understood, just listen"